Certas empresas transformam fracassos em oportunidades de aprendizado e inovação. Como elas conseguem?
Por Marcos Graciani
Em outubro de 2010, algumas das maiores empresas do Vale do Silício, na Califórnia, envolveram-se na realização de um evento peculiar: o FailCon – ou simplesmente “Congresso do Fracasso”. Durante um dia inteiro, mais de 450 empresários, investidores, marqueteiros, desenvolvedores de softwares, jornalistas e outros profissionais estiveram juntos com o propósito de compartilhar erros e enaltecer o valor do fracasso. O resultado do evento, porém, foi um paradoxal sucesso. Empresas célebres pela capacidade de inovar, como Google, Digg e PayPal, entre outras, fizeram questão de participar do encontro. E o que começou como uma brincadeira bem-humorada de dois jovens empreendedores acabou se transformando em uma grande celebração de um dos mais importantes elementos da inovação: a tolerância aos erros – e a capacidade de aprender com eles.
Não foi por acaso. O fracasso é parte essencial da rotina das empresas inovadoras. Quando bem gerenciado, gera um aprendizado valioso e ajuda a abrir os olhos de líderes e gestores para novas perspectivas e oportunidades de negócios. A história corporativa está recheada de erros célebres que se transformaram em grandes inovações. Quem nunca ouviu falar da história do Post-It, um dos mais bem-sucedidos produtos da norte-americana 3M – e que nasceu de uma tentativa malfadada de se criar uma cola sem resíduos? Ou do Viagra, um dos maiores fenômenos da indústria farmacêutica – surgido de uma fórmula atrapalhada para tratar a hipertensão? “O fracasso é fundamental para inovar”, resume Hitendra Patel, diretor do Center for Innovation, Excellence and Leadership, em Cambridge (EUA). Segundo ele, o processo de tentativa-e-erro cria fragmentos de ideias. Alguns são úteis e outros não. Tudo depende da capacidade da empresa de aproveitá-los. “Quando há um método para isso, as falhas ajudam a procurar maneiras diferentes de se colocar ideias em prática. Cada erro ajuda a gerar ideias melhores” explica Patel, que também é colunista de AMANHÃ.
Entretanto, são poucas as empresas que realmente praticam o discurso da tolerância ao erro. E é natural que isso ocorra. Executivos são treinados desde cedo para combater o erro, e não para incentivá-lo. Seus bônus aumentam à medida que eles se aproximam da perfeição. Muitas vezes, eles têm de trabalhar sob rígidos critérios dos sistemas de gestão, que visam a justamente eliminar a ocorrência de problemas e de fracassos. Um exemplo claro é o do Seis Sigma, ferramenta de qualidade que persegue o ideal de 3,4 defeitos para cada 1 milhão de unidades produzidas. Naturalmente, o perfeccionismo corporativo acaba invadindo o único espaço das empresas em que ele não é bem-vindo, o da inovação. Pesquisas, novos projetos, investimentos – tudo passa a funcionar dentro da lógica do erro zero. A companhia se torna refratária aos riscos e não aprende a administrá-los. Resultado: não inova.
“Os gestores tendem a confundir erros gerenciais com as falhas nos processos de inovação. A tendência, naturalmente, é punir quem arrisca inovar com a mesma régua aplicada a quem comete deslizes em rotinas diárias de gerenciamento”, critica Maximiliano Carlomagno, sócio da consultoria InnoScience, especializada em inovação. Hoje, diz ele, os líderes de negócios sofrem grande pressão por resultados de curto prazo. A maioria prefere pisar em solo firme, onde os resultados são certos e não há margem para deslizes. Mas é justamente esse tipo de imediatismo que inibe o potencial inovador do resto da organização.
Não que as companhias inovadoras sejam usinas de fracassos. Ao contrário: grande parte delas dispõe de processos que ajudam a evitar o pior. A diferença é como elas lidam com o erro consumado. A Nestlé um exemplo claro. Conta-se que, tempos atrás, a multinacional lançou um novo tipo de iogurte funcional na Europa. Com propriedades que ajudavam a regular a flora intestinal, o produto foi anunciado com pompa e circunstância, mas em nenhum momento chegou a emplacar nas vendas. A equipe responsável pelo lançamento, porém, não sofreu punições ou repreensões – em vez disso, foi estimulada a tentar de novo. Ajustando as estratégias de marketing e evitando os obstáculos encontrados na primeira tentativa, a Nestlé relançou o iogurte em alguns países selecionados. Aí deu certo.
O ponto-chave para lidar com esses providenciais fracassos é contar com um planejamento realista. Isto é, que estabeleça limites claros para as perdas associadas a erros ou projetos malsucedidos – tal como um jogador que entra no cassino sabendo até quanto pode perder. Quanto mais larga for essa margem, maior tende a ser o espaço para a ousadia e, consequentemente, para a inovação. “Limitar quanto um projeto pode perder é uma forma de permitir que os profissionais envolvidos lidem com possíveis falhas que fazem parte do desenvolvimento de uma ideia”, aponta Mauro Anderlini, sócio-diretor da Edusys, consultoria especializada em inovação com sede em São Paulo – e responsável técnico pela pesquisa Campeãs da Inovação, publicada nesta edição.
Também é possível fazer o contrário: em vez de impor limites aceitáveis para as perdas, perseguir metas mínimas de ganhos associados a novos projetos. Muitas empresas, diz Anderlini, estabelecem um percentual mínimo de resultado anual que deve ser oriundo de inovações. Esse tipo de meta obriga os líderes a conviver com o risco – e dá legitimidade para que eles continuem tentando depois de errar. Na catarinense Embraco, por exemplo, pelo menos 65% da receita bruta anual tem de vir de produtos lançados nos últimos quatro anos. Não por acaso, a companhia que fabrica compressores herméticos de refrigeração é uma das que mais registram patentes no Brasil – e acaba de se consagrar, pela quarta vez consecutiva, a mais inovadora da região sul conforme AMANHÃ (veja os detalhes nas páginas seguintes).
Passo certo
Um bom planejamento prevê não só a margem para a ocorrência de erros, mas também o melhor caminho para se chegar ao acerto. Muitas vezes, as empresas ficam entusiasmadas demais com o potencial de um novo projeto e esquecem de fazer uma leitura realista do quanto podem ganhar ou perder com ele. “É comum que a inovação tenha relevância apenas para um grupo pequeno de consumidores, ou que não seja relevante o suficiente para se tornar um grande produto. Portanto, é sempre importante verificar se existe uma oportunidade de mercado mensurável antes de começar a ser criativo”, defende David Soulsby, diretor global da TNS, maior empresa de pesquisa customizada do mundo. Segundo ele, uma boa maneira de lidar com esse problema é adotar um conceito conhecido como “Fast Failure” – em outras palavras, criar mecanismos para que as ideias inconsistentes sejam descartadas rapidamente, antes que a empresa perca tempo (e dinheiro) com elas.
“Aqui chega a ter briga para ver quem consegue encontrar mais falhas" Antônio carlos Teixeira CEO da Brasilata
Algumas empresas vão ainda mais longe. Na Brasilata, por exemplo, há todo um sistema que busca transformar o histórico de fracassos em um patrimônio de conhecimento. Especializada em latas de aço para a indústria química, a empresa mantém um registro permanente de todos os erros que comete em seus projetos e operação. Todos os funcionários têm acesso a uma rede interna na qual podem (e devem) relatar problemas que encontram pela empresa. Essas informações ficam à disposição de todos – justamente para que não se repitam. “Aqui tem até briga para ver quem encontra mais falhas”, brinca Antonio Carlos Teixeira, CEO da Brasilata. Os chefes de setor também são orientados a relatar aos demais como a falha foi encontrada e qual solução foi adotada. Ao mesmo tempo, as melhores soluções são premiadas com bônus em dinheiro – o que estimula bastante a criatividade. Só no ano passado, por exemplo, o sistema interno de sugestões da Brasilata, conhecido como “Projeto Simplificação”, recebeu 165 mil sugestões, ou 181,9 por funcionário. “Desde que seja algo novo e traga resultados positivos para a empresa, é inovação”, relata Teixeira.
Agora, o lado curioso: os bônus não são pagos somente aos autores das ideias, e sim a todos os funcionários. Ao todo, os prêmios chegam a representar 15% do lucro anual – que é dividido de forma igualitária. “Como vou bonificar o centroavante que fez o gol sem fazer o mesmo com o colega que deu o passe decisivo?”, questiona Teixeira. Como se não bastasse, a Brasilata também oferece a seus funcionários uma espécie de “estabilidade de emprego”. Ninguém é demitido por tentar inovar.
Ideias esquecidas
Premiar a iniciativa é um meio simples e eficaz de mobilizar equipes e estabelecer um clima propício à inovação. “A pessoa vai percebendo que a tentativa e até mesmo o erro têm valor. Cada um aprende a aumentar sua eficiência na busca de ideias válidas”, conta Carlos Arruda, diretor da Fundação Dom Cabral, de Minas Gerais. O Laboratório Fleury, de São Paulo, trabalha com esse modelo. Lá, 5% da remuneração de cada funcionário é atrelada à rubrica “Inovação, Aprendizado e Sustentabilidade”. O cálculo se baseia no programa “Central de Ideias”, que recebe ideias e sugestões de melhoria de cada empregado. Cada inovação levada a cabo rende uma gratificação extra a toda a equipe. O simples ato de sugerir uma ideia – mesmo que ela venha a ser descartada depois – gera pontos que ajudam a encorpar o bônus.
“Acreditamos que desse modo conseguimos ir moldando a capacidade criativa dos nossos funcionários. Isso faz com que eles aprendam à medida que as sugestões são aprovadas ou barradas”, argumenta Carlos Alberto Marinelli, gerente de inovação e novos negócios do Grupo Fleury. Ele destaca que a empresa criou um sistema eletrônico de submissão e classificação das ideias. No formulário, o autor descreve os benefícios esperados, as necessidades que seriam supridas e as oportunidades de melhoria que poderiam ser exploradas. Todos os registros recebem um feedback. Desde que foi lançado, em setembro de 2007, o programa já acumula mais de 4,5 mil sugestões. Destas, cerca de 1,1 mil foram aprovadas e apenas 334 se tornaram realidade. “È um aproveitamento de aproximadamente 30%. Alto para os padrões indicados pela literatura, que chegam ao redor de 20%”, sustenta Marinelli.
Mas essa abordagem coloca as empresas diante de uma incógnita: o que fazer com aquele imenso manancial de ideias rejeitadas e garantir que elas levem a um aprendizado efetivo? A resposta depende da cultura de cada companhia. Algumas se contentam em deixar os registros à disposição dos funcionários. Outras procuram ser mais pró-ativas – e organizam verdadeiros seminários de avaliação e aprimoramento. A consultoria Ambitec, de São Paulo, costuma promover palestras para difundir o conhecimento acumulado e refletir sobre a causa de alguns fracassos. Especializada em projetos ambientais, a empresa já utiliza essa solução há três anos. “Tudo isso serve para que os envolvidos no processo cumpram o ideal de cometer erros novos – e não velhos. Aí está o desafio da inovação”, sustenta Izabela Mioto, professora da Pós-Graduação em Administração de Recursos Humanos da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), de São Paulo.
O IXL Center, dirigido por Hitendra Patel, desenvolveu recentemente uma ferramenta chamada “Histórias de Aprendizagem”. Trata-se de uma coleção de cases de inovação – tanto bem-sucedidos quanto fracassados – que pode ser facilmente consultada por todos que buscam insights de inovação. Na prática, é como tentar aprender com os erros dos outros. “As empresas ficam mais tranquilas para absorver as lições e evitam a tendência natural de varrer falhas e vulnerabilidades para debaixo do tapete”, aponta Patel. O sistema permite fazer uma análise cruzada de até 20 cases, identificando os problemas e virtudes mais comuns em determinado setor ou tipo de empresa.
Por que não experimentar?
É evidente que a empresa não precisa ser permissiva com os erros para se tornar inovadora. O que realmente conta é estabelecer um ambiente de trabalho que não puna a criatividade e a ousadia e que não afaste a empresa dos riscos inerentes da inovação. Um dos caminhos que levam a esse objetivo é o da experimentação. Hoje, são poucas as companhias que têm condições de investir tempo e dinheiro em testes e programas pilotos. Nas pequenas empresas, a praxe é tratar novos projetos como uma aposta que pode ou não dar certo. Essa abordagem acaba transformando eventuais erros em verdadeiros monstros – uma vez que não se sabe quanto dinheiro será perdido caso eles venham a aparecer.
Por meio de testes e experimentações, porém, é possível antever o resultado de uma inovação antes de despejar dinheiro em seu lançamento. “É sempre melhor simular o desempenho do produto em condições normais de temperatura e pressão – no mercado tal como ele é”, sugere Carlos Arruda, da Fundação Dom Cabral. É o que faz a Ambev, a maior fabricante de bebidas das Américas. Antes de lançar qualquer tipo de produto, a companhia recorre a uma ampla pesquisa sobre tendências de consumo nos três anos seguintes. Consulta especialistas em áreas diversas – como marketing, tecnologia e até jurídica – e esboça as linhas gerais do produto. Posteriormente, submete o projeto ao crivo de nada menos que 2,5 mil consumidores em todo o país. O produto só é lançado de fato depois que a ideia contar com a aprovação da maioria da amostra. “Nem sempre os nossos projetos darão o resultado esperado. Mas nós sabemos que é assim que funciona. O importante é que somos bem brasileiros, não desistimos nunca”, revela Diana Albuquerque, gerente de inovação da Ambev para a marca Skol.
“O ideal é que os erros sejam novos, e não velhos.
Aí está o desafio da inovação." Izabela Mioto - Professora de Administração da FAAP
Atualmente, 54 projetos estão no forno da Ambev. Alguns deles já vêm sendo implantados em algumas regiões. Em maio deste ano, por exemplo, a companhia lançou no centro-oeste a Skol 360, uma cerveja com formulação que não causa sensação de estufamento. Em outubro, a novidade chegou a São Paulo. O plano, agora, é ir expandindo a área de abrangência da Skol 360 até cobrir todo o país. Sempre em um ritmo moderado, suficiente para evitar surpresas desagradáveis no meio do caminho.
Algumas empresas chegam a reservar verbas específicas para atividades de experimentação. No Grupo RBS, por exemplo, os diferentes departamentos podem fazer testes quantas vezes quiserem com novos produtos ou serviços. Não há o compromisso expresso de se lançar os projetos avaliados – o importante é averiguar como eles se saem no tubo de ensaio. Na cobertura da Copa do Mundo da África do Sul, o site do jornal Zero Hora permitia que os leitores tivessem acesso a imagens em três dimensões. Mais recentemente, a RBS testou a ZH Expressa, um serviço de notícias impresso e distribuído em toalhas de mesa – que podem ser lidas durante as refeições. “O laboratório faz com que a gente enxergue o fato de correr riscos como algo natural no processo de inovação”, explica Marcelo Rech, diretor da divisão de produtos do grupo.
Sem caça às bruxas
Na busca de uma organização capaz de suportar e até incentivar o erro, é preciso tomar alguns cuidados. Um deles é saber distinguir se o problema foi fruto do esforço para inovar ou se foi apenas o resultado de irresponsabilidade ou má-fé. Outro é tratar a causa do erro sem cair na tentação de mostrar a toda a equipe quem foi o culpado. “É preciso ter consciência de que a busca pela inovação é uma jornada, uma viagem de aventura – e não de turismo”, compara Fernando Mattos, CEO da IndexTech, consultoria especializada em gestão da inovação. Finalmente, é necessário ter consciência de que a tolerância aos erros é apenas um fator de aprendizado. É preciso aceitá-los – mas jamais repeti-los.
Fonte: Revista Amanhã
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