20100708

A arte da guerra - Sun Tzu

A Arte da Guerra

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

O início de A Arte da Guerra, em um livro de bambu da época do reino do Imperador Qianlong, século XVIII.

A Arte da Guerra (chinês: 孫子兵法; pinyin: sūn zĭ bīng fǎ literalmente “Estratégia Militar de Sun Tzu”), é um tratado militar escrito durante o século IV a.C. pelo estrategista conhecido como Sun Tzu. O tratado é composto por treze capítulos, onde em cada capítulo é abordado um aspecto da estratégia de guerra, de modo a compor um panorama de todos os eventos e estratégias que devem ser abordados em um combate racional. Acredita-se que o livro tenha sido usado por diversos estrategistas militares através da história como Napoleão, Zhuge Liang, Cao Cao, Takeda Shingen, Vo Nguyen Giap, Mao Tse Tung e o general brasileiro Alberto Mendes Cardoso.

Desde 1772 existem edições européias (quatro traduções russas, uma alemã, cinco em inglês), apesar de serem consideradas insatisfatórias. A primeira edição ocidental tida como uma tradução fidedigna data de 1927.

A Arte da Guerra foi traduzido para o português por Caio Fernando Abreu e Miriam Paglia (1995).

Apesar da antiguidade da obra, nenhuma obra ou tratado é tão compreensível e tão atual quanto A Arte da Guerra.

Com seu caráter sentencioso, Sun Tzu forja a figura de um general cujas qualidades são o segredo, a dissimulação e a surpresa.

Hoje, A Arte da Guerra parece destinado a secundar outra guerra: a das empresas no mundo dos negócios. Assim, o livro migrou das estantes dos estrategistas para as do economista e do administrador[1]

Embora as táticas bélicas tenham mudado desde a época de Sun Tzu, esse tratado teria influenciado, segundo a Enciclopédia Britânica, certos estrategistas modernos como Mao Tsé-Tung, em sua luta contra os japoneses e os chineses nacionalistas.

Inclusive encontra-se nos escritos militares de Mao-Tse-Tung citações do livro A Arte da Guerra de Sun Tzu.

O general brasileiro Alberto Mendes Cardoso chamou o livro do Sun Tzu de clássico militar.

A guerra na época de Sun Tzu

Só poderemos apreciar a originalidade do pensamento de Sun Tzu se dispusermos de uma noção das diferenças qualitativas entre as artes de guerrear nos séculos IV e V e as de períodos anteriores. Até 500 a.C., a guerra era, de certo modo, ritual. Efetuavam-se campanhas sazonais, em conformidade com um código mais ou menos estabelecido. Estavam proibidas as hostilidades durante os meses das sementeiras e das colheitas, enquanto no inverno os camponeses semi-hibernavam nas suas cabanas de tijolos, sendo o frio demasiado para se poder combater. Também no verão era quente demais. Teoricamente, pelo menos, as guerras eram interrompidas durante os meses de nojo que se seguiam à morte de um senhor feudal. Em combate, não era correto bater em homens velhos ou aplicar qualquer golpe a quem já estivesse ferido. O governante de boa índole não “massacrava cidades”, não “emboscava exércitos adversários”, nem levava a guerra para além da estação própria, e nenhum príncipe que se prezasse se baixava a qualquer dissimulação ou aproveitaria qualquer oportunidade desleal.

Quando o rei Chuang, de Ch’u, cercava a capital de Sung, em 594 a.C., a certa altura os mantimentos começaram a escassear, tendo o seu ministro da Guerra observado: “Se os mantimentos nos acabam antes de subjugarmos a cidade, teremos de voltar para casa”.

O rei mandou que Tzu-fan subisse a rampa encostada à muralha, da cidade para apreciar os sitiados.

O príncipe de Sung enviou o seu ministro, Hua-Yuan, à muralha para o interceptar, tendo entre os dois ocorrido a seguinte troca de impressões:

Tzu-fan: “Como vão as coisas por aí?”

Hua-Yuan: “Estamos exaustos. Trocamos as crianças e comemo-las; partimo-lhes os ossos e os chupamos”.

Tzu-fan: “Céus! Estão mesmo apertados! No entanto, tinham me dito que nas cidades cercadas era costume amordaçar os cavalos, quando lhes davam de comer, e enviar somente os ainda gordos ao encontro do inimigo. Como poderá o senhor ser tão franco?”.

Hua-Yuan: “Consta-me que um homem superior sente compaixão quando vê outro sofrer e que o homem inferior se regozija com o sofrimento de outrem. Por isso fui franco”.

Tzu-fan: “Assim é. Oxalá prevaleçam. O nosso exército tem rações para apenas sete dias”.

Tzu-fan informou o rei Chuang da conversa, e este perguntou-lhe: “Como estão eles?”

Tzu-fan: “Exaustos. Trocam as crianças, comem-nas e partem-lhes os ossos para os chuparem”.

Rei Chuang: “Céus! Estão mesmo apertados! Resta-nos vencê-los e regressarmos”.

Tzu-fan: “É impossível. Já lhes disse que o nosso exército só tem rações para apenas sete dias”.

Rei Chuang, zangado: “Mandei-te observá-los. Por que lhes disseste isso?”.

Tzu-fan: “Se um Estado tão pequeno como Sung ainda dispõe de um súdito incapaz de mentir, como poderá Ch’u não ter um também? Foi por isso que lhe falei a verdade”.

Rei Chuang: “Mesmo assim vamos vencê-los e regressar”.

Tzu-fan: “Fique Vossa Majestade aqui. Eu, se mo permitirdes, voltarei para casa”.

Rei Chuang: “Se fores para casa., deixando-me, com quem ficarei eu? Regressarei, como desejas”.

E assim fez, acompanhando-o o Exército.

Os homens superiores apreciam fazer as pazes. Hua-Yuan contara a verdade a Tzu-fan, conseguindo que o cerco fosse levantado, mantendo-se intacta a integridade dos dois Estados.

Os filósofos e os reis faziam distinção entre guerras corretas e guerras incorretas. Era moralmente correio a qualquer príncipe esclarecido atacar “uma nação rústica e obscura”, civilizar os bárbaros, punir aqueles que voluntariamente desejavam manter-se na cegueira, ou sumariamente arrumar um Estado em degradação. Tais castigos, em perfeito acordo com a vontade do Céu, eram executados pelo próprio governante ou por um ministro por ele delegado. Os comandantes das diferentes colunas eram elementos da aristocracia hereditária, refletindo) a graduação na hierarquia militar a posição na sociedade feudal. Maspero ilustrou essa questão num interessante estudo, onde demonstrou ter o comando dos exércitos do Centro de Chin sido, durante um século, a partir de 573 a.C., monopólio de algumas poucas famílias.

Os exércitos da China antiga eram particulares, tal como as levas feudais europeias o foram. A pedido do soberano, esperava-se que os elementos da nobreza concorressem com determinado número de carros, cavalos, carroças, bois, peões, cozinheiros e carregadores. O tamanho e o gênero desses contingentes variavam de conformidade com a importância dos feudos, que, oscilando entre poucas vintenas e muitos milhares de famílias, faziam com que os grupos, ao apresentar-se nos pontos de reunião fossem, por certo, extremamente variados.

Como um aldeão valia muito menos do que um boi ou um cavalo, o seu bem-estar não era motivo de grande preocupação. Os servos, analfabetos e dóceis, tinham lugar de pouca importância nas batalhas do tempo, onde o papel principal pertencia aos carros, quadrigas, equipadas com cocheiro, um lanceiro e um arqueiro nobre. Os dispensáveis aldeões, geralmente protegidos por jaquetas estofadas, agrupavam-se em torno dos carros. Um pequeno grupo de alguns selecionados entre eles dispunha de escudos de bambu entrançado ou, às vezes, de altamente incómodo e rudemente curtido couro de boi ou de rinoceronte. O seu armamento consistia em adagas ou espadas curtas, lanças de ponta de bronze e ganchos e lâminas cortantes atados com tiras de couro a varas de madeira. O arco era arma só para nobres.

O terreno apropriado aos carros ditava e restringia o decorrer da luta, limitando simultaneamente os elementos táticos. A estrutura feudal não admitia a existência de oficiais não originários da nobreza.

As batalhas na China de antanho eram primitivas refregas, que a nada conduziam na maior parte dos casos. Usualmente, os opositores assentavam arraiais frente a frente, assim se conservando durante vários dias, enquanto os adivinhos examinavam augúrios e os respectivos comandantes executavam sacrifícios propiciatórios.

Quando o auspicioso momento escolhido pelos vaticinadores chegava, toda a hoste, com gritaria que deveria fazer estremecer os céus, se lançava desordenadamente sobre o inimigo. Uma vez no local logo se chegava a uma decisão: ou o atacante era repelido e a sua retirada permitida, ou conseguia romper as formações contrárias, matava aqueles ainda com disposição para oferecerem oposição ativa, perseguia os fugitivos ao longo de umas centenas de metros, pilhava o que de valor houvesse e regressava ao acampamento ou à sua capital. Raramente se explorava qualquer vitória. Quando muito, apenas algumas ações limitadas e com objetivos limitados eram levadas a efeito.

Pouco antes de 500 a.C, os conceitos moderando o guerrear principiaram a alterar-se. A guerra tornava-se mais feroz. Uma batalha travada em 518 a.C. entre exércitos de Wu e Ch’u retrata-nos macabramente tais mudanças. Foi aqui que o visconde de Wu ordenou que três mil homens condenados se alinhassem frente às suas formações, onde, à vista das hostes inimigas, todos se suicidaram cortando a garganta. Os exércitos de Ch’u e dos seus aliados, aterrados, debandaram.

Quando Sun Tzu surgiu, a estrutura feudal, ou, melhor, os seus últimos resquícios de degradação, já ia sendo substituída por um tipo completamente diferente de sociedade, onde o indivíduo de talento usufruía de muito mais possibilidades. A evolução era gradual, mas verificava-se em todos os campos, incluindo o militar. A originalidade e o empreendimento traziam recompensas…

Uma vez que as levas transitórias de antes, de pouca confiança e ineficientes, já não eram consideradas como adequadas, os grandes Estados passaram a dispor de exércitos permanentes, comandados por oficiais profissionais. O sistema de mobilização foi introduzido junto dos camponeses. Os novos exércitos passaram a ser constituídos por tropas disciplinadas e bem preparadas, às quais se acresciam recrutas com idades variando entre os 16 e os 60 anos. À frente desses exércitos havia tropas de escol, ou de choque, especialmente escolhidas pela sua valentia, habilidade, disciplina e lealdade. A primeira das formações desse género apareceu cerca do ano de 500 a.C., chamando sobre si atenção suficiente para que Mo Tzu comentasse que o rei Ho-lü havia treinado as suas tropas durante sete anos, podendo os seus grupos de escol marchar 300 li (mais ou menos 180 km) sem descansar! Os “guardas” de Ch’u envergavam armadura e elmos, usavam bestas com quinze virotes emplumados, pontas de virote extra, espadas e um suprimento de arroz seco bastante para três dias. Na mesma ocasião surgiram unidades mais ligeiras também. Com exércitos permanentes, dessa forma constituídos, as operações deixaram de ser sazonais, podendo passar a ser levadas a cabo muito mais rapidamente e a representar ameaças bem mais constantes para os adversários em potência.

O tempo dos bravos e dos guerreiros, cuja farra provinha de proezas individuais, acabara. Combates singulares, característica própria de todas as sociedades feudais, poderiam ainda ocorrer aqui e além. Simplesmente, os generais recusavam-se a fazê-lo agora eles próprios.

Quando Wu Ch’i lutou contra Ch’in, houve um oficial que, antes de a batalha se iniciar, não pôde refrear o seu ímpeto. Adiantou-se, cortou algumas cabeças e regressou às suas linhas. Wu Ch’i mandou que o decapitassem.

O comissário do Exército admoestou-o: “Trata-se de um oficial de talento. Não o deveríeis decapitar”.

Wu Ch’i contestou: “Acredito que seja talentoso, mas é desobediente”.

Ordenou depois execução do castigo.

As batalhas tinham-se mudado, transformando-se em operações perfeitamente orientadas. Nem os avançavam desapoiados, nem os covardes debandavam.

Elementos dos novos exércitos, capazes de movimentos coordenados e de acordo com planos preestabelecidos, funcionavam segundo sinais sistemáticos.

A ciência (ou arte) da tática havia nascido. O inimigo atacado por uma unidade cheng (ortodoxa) era vencido pelas unidades ch’i (não ortodoxa, única, rara, maravilhosa), sendo o costumeiro cheng agarrar-se ou fixar-se ao terreno, enquanto as unidades ch’i atacavam os flancos e a retaguarda. Os movimentos de diversão passaram a assumir grande importância e o sistema de comunicações do adversário, a ser um dos principais objetivos.

Muito embora não saibamos responder a muitas questões relativas a pormenores táticos, sabemos, pelo menos, que os fatores tempo e espaço eram calculados com perfeição. A convergência de várias colunas sobre um objetivo preestabelecido fazia parte de uma técnica que os chineses do tempo de Sun Tzu dominavam admiravelmente.

O conceito de “Estado-maior” teve a sua origem na era dos Estados Guerreiros. Estes Estados-maiores incluíam inúmeros especialistas, previsores meteorológicos, cartógrafos, oficiais comissários e engenheiros de túneis e minas. Havia ainda peritos na travessia de rios, de operações anfíbias, de inundações, de ataques com fogo e da utilização de fumo.

Já que o âmago do exército era composto por profissionais bem treinados, representando um pesado investimento, grande atenção era dada ao moral e à correta alimentação das tropas, aos prémios e aos castigos, esses últimos claramente codificados e com equidade concedidos ou administrados. O espírito do exército era, pois, acarinhado a ponto de, às ordens dos seus comandantes, os homens se sentirem dispostos a atirar-se sobre o ferro e o fogo. Os soldados que se distinguiam eram galardoados e promovidos. Tudo isso, lenta mas inexoravelmente, seguia minando a oposição da hierarquia hereditária na tropa.

A doutrina de uma responsabilidade coletiva durante as batalhas deve ter nascido a essa altura. Os comandantes que renunciassem sem autorização eram executados. Se uma seção batesse em retirada e o seu chefe prosseguisse lutando, aqueles que o haviam abandonado eram sumariamente decapitados. Se um comandante de coluna ou brigada recuasse sem ordens para tal, ficava sem a cabeça. Mesmo assim, a promulgação de códigos militares, por muito severos que fossem, correspondia a um passo em frente, e, se é certo que alguns generais os faziam cumprir implacavelmente, outros havia que reconheciam que um arbitrarismo aterrorizante não era o melhor modo de criar a vontade de combater. A profissionalização dos exércitos abria as portas a gente talentosa e, ao mesmo tempo, ia inibindo generais e oficiais quanto à prática de castigos incrivelmente cruéis e exigências exageradamente desnecessárias.

É claro que nem todos os generais do século IV a.C. atingiram as suas altas posições em virtude da sua habilidade. Era no entanto possível a um homem de valor ascender a postos de comando, independentemente da sua origem, aristocrática ou não, e receber, em investidura cerimonial, a acha-de-armas simbolizando a sua posição de comandante-chefe, com autoridade suprema quando fora da capital. A administração do exército e a sua utilização operacional caber-lhe-iam desse momento em diante. Quando um general passava para além das fronteiras, havia mesmo algumas ordens do seu soberano que poderia esquecer. Perante os seus oficiais, porém, estava sujeito à lei militar.

Melhorias técnicas também influíram na revolução havida na forma de guerrear na China. A introdução de bestas e de armas cortantes de ferro de qualidade suficientemente alta para poder receber e conservar um bom fio tiveram especial importância. Bem antes de a besta ter aparecido, já o arco de reflexão heterogénea era de emprego vulgar.

A besta, invenção chinesa do século IV a.C., disparava pesados virotes, suficientemente fortes para transformar em passadores quaisquer escudos gregos ou macedônios. Crê-se terem sido besteiros de grande pontaria quem tornou o emprego de carros de combate impraticável.

Os exércitos que Sun Tzu conheceu compunham-se de espadeiros, arqueiros, lanceiros (ou alabardeiros), besteiros e carros. A cavalaria só surgiria mais tarde, mas cavaleiros montando sem selas ou estribos já eram empregados como batedores e mensageiros. A infantaria servia-se de dois tipos de lanças, uma com cerca de cinco metros e outra com metade desse tamanho. Essas lanças possuíam um ferro misto, ou seja, uma ponta perfurante, e uma segunda lâmina cortante e enganchante. As lanças nunca serviam como arma de arremesso, visto os chineses já disporem na besta de uma arma de combate a curta distância, de trajetória horizontal, de imensa exatidão e tremenda força de impacto.

As operações no terreno eram normalmente feitas a partir de campos fortificados, traçados segundo a arquitetura das cidades chinesas: um quadrado encaixado em barrancos inclinados de terra rodeado por um fosso. Ruas ou paradas, cruzando-se nos sentidos norte/sul e leste/oeste, permitiam linhas de fogo interligadas. No centro, a bandeira do comandante-chefe drapeja-va sobre o seu quartel-general, rodeado pelas tendas engalanadas dos seus conselheiros e espadeiros de escol, sua guarda pessoal.

Antes de um exército sair do seu acampamento, formava para escutar as exortações do general, que, trovejando, os arengaria da justiça da sua causa e denegriria o selvagem adversário. Os oficiais manifestariam grande satisfação e fariam juras e promessas sobre ensanguentados tambores de guerra. Enquanto a tropa bebia vinho, o seu ânimo era levantado pêlos rodopios de dançarinos de espadas.

Um exército chinês dos Estados Guerreiros em formação de combate devia ser um espetáculo impressionante, com as suas cerradas fileiras e vintenas e vintenas de estandartes repletos de bordados flutuando ao vento. Esses, decorados com tigres, aves, dragões, serpentes, fênix e tartarugas, apontavam a localização do comandante-chefe um pouco atrás do centro e da dos generais comandantes das alas. Movimentações contínuas perturbavam o inimigo e colhiam oportunidades para atuações ch’i contra os seus flancos e retaguarda.

A organização descrita por Sun Tzu dava grande mobilidade às forças em marcha, ao mesmo tempo que a sua grande articulação tornava possível um rápido desdobramento das unidades a entrar na luta. A quina, ou seção de cinco homens, tanto podia avançar a par como em fileira. E como se distribuía o armamento? Estariam os arqueiros e os besteiros em contingentes separados ou enquadrados em pequenas-seções de um “par” e um “trio”? Esses termos levar-nos-iam a crer que sim, mas, pelas escassas informações de que dispomos, parece que por ocasião da batalha de Ma Ling (341 a.C.) agrupavam-se separadamente.

Qual o alcance efetivo dos arcos e das bestas? Mais uma vez nos faltam dados, já que os números registrados não nos merecem confiança. Dizem-nos, por exemplo, que a besta atingia até 600 passos. Trata-se de um exagero, se o critério estivesse baseado no alcance mortal. A força da arma era medida pelo número de escudos que podia atravessar quando disparada de várias centenas de passos. O tipo de escudos não é, porém, descrito, o que torna as informações sem qualquer valor. Fosse como fosse, eram armas poderosas.

Que os processos de cerco já tinham atingido um estágio altamente refinado é confirmado pêlos diversos fragmentos das obras de Mo Tzu, onde vários maquinismos e aparelhos destinados ao assalto de cidades muradas são mencionados. Escadas já eram empregadas muitos séculos antes do seu tempo, e no Livro dos Cânticos há menções a torres móveis, de vários andares, que se podiam encostar às muralhas, tal como a “tartarugas”, móveis também, para a proteção de mineiros. Quanto a cercos, encontram-se mais pormenores no Lvro do Mestre Shang. Numa cidade cercada, toda a população era mobilizada, e três exércitos criados, sendo um de homens válidos, que, com provisões abundantes e armas aceradas, enfrentavam o inimigo, outro de mulheres robustas, que erguiam montes de terra, cavavam tocas-de-lobo e fossos, e, finalmente, um outro de crianças e velhos, que davam de comer e de beber, e guardavam o gado.

Em Sun Tzu encontram-se recomendações referentes ao reconhecimento tático, à observação, ao patrulhamento dos flancos, todas medidas que tendem a garantir marchas e acampamentos seguros. Sondar o inimigo antes da luta era essencial.

Desse modo, no século IV, ou algumas décadas mais cedo, a guerra na China já havia atingido a maioridade, estado que manteria, apenas com a oportuna adição da cavalaria, por muitas centenas de anos, sem alteração significativa.

Por esses tempos, os,chineses.dispunham de armas, dominavam táticas e técnicas ofensivas e defensivas que lhes permitiriam poder causar muito mais problemas ao grande Alexandre do que os gregos, os persas e indianos lhe causaram.

Capítulos

A obra é composta por 13 capítulos:

1. Planejamento Inicial (始計, pinyin: Shǐjì)

2. Guerreando (作戰, pinyin: Zuòzhàn)

3. Estratégia ofensiva (謀攻, pinyin: Móugōng)

4. Disposições (軍行, pinyin: Jūnxíng)

5. Energia (兵勢, pinyin: Bīngshì)

6. Fraquezas e forças (虛實, pinyin: Xūshí)

7. Manobras (軍爭, pinyin: Jūnzhēng)

8. As nove variáveis (九變, pinyin: Jiǔbiàn)

9. Movimentações (行軍, pinyin: Xíngjūn)

10. Terreno (地形, pinyin: Dìxíng)

11. As nove variáveis de terreno (九地, pinyin: Jiǔdì)

12. Ataques com o emprego de fogo (火攻, pinyin: Huǒgōng)

13. Utilização de agentes secretos (用間, pinyin: Yòngjiàn)

Entendendo A Arte da Guerra

A Arte da Guerra, obra permeada pelo pensamento político e filosofico do Tao Te King, também se iguala ao grande clássico taoísta na estrutura formal, composta por uma coleção de aforismos em geral atribuídos a um autor obscuro e quase lendário. Alguns taoístas acreditam que o Tao-Te King seja a transmissão de um conhecimento antigo, compilado e elaborado pelo seu “autor”, e não que seja uma obra totalmente original. O mesmo pode-se dizer de A Arte da Guerra. Seja lá como for, ambos os clássicos têm em comum a estrutura geral formada por nas centrais que reaparecem ao longo do texto em contextos diferentes.

1. Planejamento Inicial

O primeiro capítulo de A Arte da Guerra é dedicado à importância da estratégia. Como o clássico I Ching afirma: “O líder planeja no início, antes de começar a agir”, e “o líder avalia os problemas e os previne.” Em termos de operações militares, A Arte da Guerra coloca cinco aspectos que devem ser determinados antes de empreender qualquer ação: Caminho, o clima, o terreno, a liderança militar e a disciplina.

Nesse contexto, o Caminho (Tao) se refere à liderança civil, ou, antes, ao relacionamento entre a liderança política e a população. Tanto na linguagem taoísta como na confucionista, um governo justo é descrito como “imbuído pelo Tao”, e Sun Tzu também fala do Caminho como aquele que “induz o povo a ter o mesmo objetivo que os líderes”.

O exame do clima, o problema da estação mais propícia para a ação, também tem relação com o interesse pelo povo, significando tanto a população em geral quanto os militares. O ponto essencial, aqui, é evitar a interrupção das atividades produtivas do povo, as quais dependem das estações, e evadir extremos climáticos que poderiam criar obstáculo ou prejudicar as tropas no campo de batalha.

O terreno deve ser avaliado em termos de distância, grau de dificuldade para a locomoção, dimensões e segurança. A utilização de batedores e de guias nativos é importante nesse ponto porque, como diz o I Ching, “Ir à caça sem um guia é perder o dia”. Os critérios oferecidos por A Arte da Guerra para avaliar os líderes militares são as virtudes tradicionais, as mesmas que são recomendadas pelo Confucionismo e pelo Taoísmo medieval: a inteligência, a confiabilidade, a humanidade, a coragem e a austeridade. De acordo com o grande budista Chan, Fushan: “Humanidade sem inteligência é como ter um campo, mas não ará-lo. Inteligência sem coragem é como ter uma vegetação florescente, mas não limpá-la das ervas daninhas. Coragem sem humanidade é saber colher, mas não saber semear.” As outras duas virtudes, a confiabilidade e a austeridade, são as que possibilitam ao líder obter, respectivamente, a lealdade e a obediência das tropas.

O quinto elemento a ser avaliado, a disciplina, refere-se à coerência e à eficiência organizacional. A disciplina está muito ligada à confiabilidade e à austeridade, ambas desejáveis nos líderes militares, visto que ela utiliza os mecanismos correspondentes da recompensa e da punição. Muita ênfase é posta na tarefa de estabelecer um sistema claro e objetivo de prémios e castigos que seja aceito pêlos guerreiros como justo e imparcial. Este foi um dos aspectos mais importantes do Legalismo, uma escola de pensamento que surgiu durante o período dos Estados Belicosos e que acentua mais o valor da organização racional c do estatuto da lei do que o de um governo feudal personalista.

Continuando a discussão dessas cinco avaliações, A Arte da Guerra passa a analisar a importância fundamental da simulação: “Uma operação militar envolve simulação. Mesmo sendo competente, mostra-te incompetente. Embora eficiente, aparenta ser ineficiente.” É como o Tao-Te King recomenda: “Quem tem grande habilidade mostra-se inapto.” O elemento surpresa, tão necessário para a vitória com o máximo de eficiência, depende de conhecer os outros sem ser por eles conhecido, de modo que o segredo e a informação distorcida são considerados artes essenciais.

Falando de maneira geral, a luta corpo a corpo é o último recurso do guerreiro habilidoso. Deste, Sun Tzu diz que deve estar preparado e, no entanto, tem de evitar o confronto direto com um adversário destemido. Mestre Sun recomenda que, em vez de dominar o inimigo diretamente, deve-se cansá-lo pela fuga, fomentar a intriga entre seus escalões, manipular seus sentimentos e usar sua ira e seu orgulho contra si próprio. Assim, em síntese, a proposição inicial de A Arte da Guerra introduz os três aspectos principais da arte do guerreiro: o social, o psicológico e o físico.

2. Guerreando

O segundo capítulo de A Arte da Guerra, sobre a batalha, ressalta as consequências domésticas da guerra, mesmo da guerra externa. A ênfase é posta sobre a velocidade e a eficiência, com advertências incisivas para não prolongar as operações, especialmente campo adentro. A importância de se conservar a energia e os recursos materiais recebe atenção particular. Para minimizar o desgaste que a guerra causa na economia e na população, Sun Tzu recomenda a prática de alimentar o inimigo e de usar as forças cativas por meio de um bom tratamento.

3. Estratégia ofensiva

O terceiro capítulo, planejamento do assédio, também acentua a conservação — o objetivo geral é chegar à vitória mantendo intacto o maior número possível de bens, sociais e materiais, e não destruindo todas as pessoas e coisas que estejam no caminho. Neste sentido, Mestre Sun afirma que é melhor vencer sem lutar.

Várias recomendações táticas reforçam este princípio de conservação geral. Primeiro, por ser desejável vencer sem lutar, Sun Tzu diz que é melhor vencer os adversários logo no início das operações, frustrando assim seus planos. Se isso não for possível, Sun Tzu recomenda isolar o inimigo e torná-lo indefeso. Aqui também poderia parecer que o tempo é essencial, mas, na verdade, velocidade não significa pressa, e uma preparação completa se faz necessária. Sun Tzu conclui enfatizando que, obtida a vitória, esta deve ser completa e total, para evitar os custos de manutenção de uma força de ocupação.

O capítulo prossegue delineando as estratégias para a ação de acordo com o número relativo de protagonistas e de antagonistas, novamente observando que é mais prudente evitar pôr-se em circunstâncias desfavoráveis, se possível. O I Ching diz: “É má fortuna teimar diante de circunstâncias insuperáveis.” Além disso, enquanto a formulação da estratégia depende de uma inteligência prévia, é também imperativo adaptar-se às situações reais da batalha. Como afirma o I Ching: “Chegando a um impasse, muda; depois de mudar, podes prosseguir.” Em seguida, Mestre Sun relaciona cinco modos de averiguar a possibilidade de vitória, de conformidade com o tema de que guerreiros hábeis lutam só quando têm certeza da vitória. De acordo com Sun, os vitoriosos são aqueles que sabem quando lutar e quando não lutar; os que sabem quando usar muitas ou poucas tropas; aqueles cujos oficiais e soldados formam uma unidade compacta; os que enfrentam os incautos com preparação; e os que são comandados por generais capazes que não são pressionados pelo governo.

Este último ponto é muito delicado, visto que põe uma responsabilidade moral e intelectual ainda maior sobre os líderes militares. Enquanto a guerra nunca deve ser deflagrada pêlos militares, como mais adiante se explicará, mas pelo comando do governo civil, Sun Tzu afirma que uma liderança civil ausente que interfere de modo ignorante no comando de campo “afasta a vitória embaraçando os militares”.

Novamente, a questão parece ser a do conhecimento; a premissa de que a liderança militar no campo não deve estar sujeita à interferência do governo civil baseia-se na ideia de que a chave para a vitória é o conhecimento profundo da situação real. Delineando esses cinco modos para determinar qual dos lados tem possibilidade de prevalecer sobre o outro, Sun Tzu afirma que quando conhecemos a nós mesmos e aos outros nunca estamos em perigo; quando conhecemos a nós mesmos, mas não aos outros, temos cinquenta por cento de possibilidade de vencer, e quando não conhecemos a nós próprios nem aos outros, estamos em perigo em qualquer batalha.

4. Disposições

O quarto capítulo de A Arte da Guerra trata da formação, uma das questões mais importantes da estratégia e do combate. Numa postura caracteristicamente taoísta, Sun Tzu declara que o segredo para a vitória são a adaptabilidade e a inescrutabilidade. Como o comentador Du Mu explica: “A condição interior do informe é inescrutável, enquanto que a daqueles que adotaram uma forma específica é claramente manifesta. O inescrutável vence, o manifesto perde.” Neste contexto, a inescrutabilidade não é meramente passiva, não significa apenas afastar-se ou esconder-se dos outros; significa, sim, a percepção do que é invisível aos olhos dos outros e a reação a possibilidades ainda não percebidas por aqueles que só observam o manifesto. Discernindo oportunidades antes que sejam visíveis aos outros e agindo com rapidez, o misterioso guerreiro pode tomar conta da situação antes que as coisas se escoem por entre os dedos.

Seguindo esta linha de raciocínio, Sun Tzu volta a pôr ênfase na busca da vitória certa pelo conhecimento do momento de agir e de não agir. Torna-te invencível, diz ele, e enfrenta o adversário no momento em que ele é vulnerável: “Os bons guerreiros tomam posição onde não podem perder e não descuidam das condições que tornam o inimigo propenso à derrota.” Revendo essas condições, Sun reelabora alguns dos pontos principais para a avaliação das organizações, tais como a disciplina e a ética versus ambição e corrupção.

5. Energia

O tema do capítulo quinto de A Arte da Guerra é a força, ou o ímpeto, a estrutura dinâmica de um grupo em ação. Aqui, Mestre Sun ressalta as habilidades organizacionais, a coordenação e o uso tanto de métodos de guerra ortodoxos como de guerrilha. Ele enfatiza a mudança e a surpresa, empregando variações intermináveis de táticas e usando as condições psicológicas do adversário para manobrá-lo a posições vulneráveis.

A essência do ensinamento de Sun Tzu sobre a força é a unidade e a coerência na organização, utilizando a força do ímpeto antes de contar com as qualidades e habilidades individuais: “Bons guerreiros buscam a eficácia da batalha na força do ímpeto, não em cada pessoa.” É esse reconhecimento do poder do grupo para equilibrar disparidades internas e para funcionar como um único corpo de força que distingue A Arte da Guerra do individualismo idiossincrático dos espadachins samurais do Japão feudal posterior, cujas artes marciais estilizadas são tão conhecidas no Ocidente. Esta ênfase é uma das características essenciais que tornou a antiga obra de Sun Tzu tão útil para os guerreiros organizados em corporação da Ásia moderna, entre os quais A Arte da Guerra é amplamente lida e ainda hoje considerada o clássico inigualável de estratégia no conflito.

6. Fraquezas e forças

O capítulo sexto aborda, a questão da “vacuidade e da plenitude”, já mencionadas como conceitos taoístas fundamentais geralmente adaptados às artes marciais. A ideia é encher-se de energia ao mesmo tempo que se esvazia o oponente. Como Mestre Sun diz, isto é feito para nos tornarmos invencíveis e para enfrentar os adversários somente quando estes são vulneráveis. Uma das mais simples dessas táticas é muito conhecida não apenas no contexto da guerra, mas também na manipulação social e dos negócios: “Bons guerreiros atraem o inimigo a si; não são eles que atacam o inimigo.” Outra função da inescrutabilidade tão intensamente valorizada pelo guerreiro taoísta é a que recomenda conservar a própria energia ao mesmo tempo que se induz os outros a desperdiçar a sua: “O objetivo de formar um exército é chegar à não-forma”, diz Mestre Sun; assim, ninguém poderá elaborar uma estratégia contra ti. Ao mesmo tempo, diz ele, induz o adversário a organizar suas próprias formações, leva-o a esparramar-se; testa o oponente para sondar seus recursos e reações, mas permanece desconhecido.

Neste caso, o informe e o fluido não são apenas meios de defesa e surpresa, mas meios de preservar o potencial dinâmico, a energia que pode ser facilmente perdida por manter-se numa posição ou formação específica. Mestre Sun compara uma força bem-sucedida à água, que não tem forma constante, mas que, como observa o Tao-Te-King, prevalece sobre tudo a despeito de sua fraqueza aparente. Sun afirma: “Uma força militar não tem formação constante, a água não tem forma constante. A habilidade de alcançar a vitória mudando e adaptando-se de acordo com o inimigo é chamada de genialidade.”

7. Manobras

O sétimo capítulo de A Arte da Guerra, sobre a luta armada, trata da organização efetiva no campo e das manobras de combate, e também reintroduz vários dos principais temas de Sun Tzu. Começando com a necessidade de informações e preparação, Sun afirma: “Entra em ação somente depois de fazer a devida avaliação. Aquele que por primeiro avaliar a distância do perto e do longe vencerá — está é a lei da luta armada.” O I Ching diz: “Prepara-te, e terás boa fortuna.” Novamente expondo sua filosofia tática minimalista/essencialista, característica que lhe é muito própria. Sun Tzu continua: “Suga a energia do exército adversário, arranca o coração dos seus generais.” Retomando seus ensinamentos sobre a vacuidade e a plenitude, também afirma: “Evita a energia intensa, ataca a moderada e a fugidia.” Para aproveitar ao máximo os benefícios dos princípios da vacuidade e da plenitude, Sun ensina quatro tipos de habilidades essenciais ao guerreiro insondável: domínio da energia, domínio do coração, domínio da força e domínio da adaptação.

Os princípios da vacuidade e da plenitude também põem à mostra o mecanismo fundamental dos clássicos princípios yin-yang, sobre os quais os primeiros se baseiam, o mecanismo da reversão de um para o outro nos extremos. Mestre Sun diz: “Não interrompas a marcha de um exército em seu retorno para casa. Um exército cercado deve ter uma saída. Não pressiones um inimigo desesperado.” O / Ching diz: “O soberano usa três caçadores, deixando a caça à frente escapar”, e “se fores muito inflexível, a ação será mal sucedida, mesmo que estejas certo.”

8. As nove variáveis

O capítulo oitavo é dedicado à adaptação, já vista como uma das pedras angulares da arte bélica. Mestre Sun assevera: “Se os generais não souberem adaptar-se de modo vantajoso, mesmo que conheçam a disposição do terreno, não conseguirão tirar proveito dela.” O I Ching diz: “Persiste intensamente no que está além de tua profundidade, e tua fidelidade a essa direção trará a desgraça, não o proveito.” A adaptabilidade depende naturalmente da prontidão, outro tema que se repete de A Arte da Guerra. Mestre Sun afirma: “O preceito das operações militares é não supor que o inimigo não avance, mas dispor de meios para lidar com ele; não confiar que o adversário não ataque, mas esperar em ter o que não pode ser atacado.” O I Ching diz: “Se te sobrecarregares sem ter uma base sólida, serás por fim exaurido, o que te trará dificuldades e má fortuna.” Em A Arte da Guerra, a prontidão não significa apenas preparação material; sem um estado mental apropriado, a mera força física não é suficiente para garantir a vitória. Mestre Sun define indiretamente as condições psicológicas do líder vitorioso, enumerando cinco perigos — ter muita disposição para morrer, ter muita ansiedade de viver, encolerizar-se com muita rapidez, ser puritano ou sentimental demais. Mestre Sun afirma que qualquer um desses excessos cria pontos vulneráveis que podem ser facilmente explorados por adversários astutos. O I Ching diz: “Ao aguardar à beira de uma situação, antes que o tempo adequado para entrar em ação chegue, mantém-te alerta e evita ceder ao impulso — assim fazendo, não errarás.”

9. Movimentações

O capítulo nono trata de exércitos em manobras estratégicas. Mais uma vez Mestre Sun fala sobre os três aspectos da arte do guerreiro — o físico, o social e o psicológico. Em termos físicos concretos, ele recomenda certos tipos óbvios de terreno que favorecem as probabilidades de vitória: elevações, rio acima, o lado ensolarado dos morros, regiões abundantes de recursos. Com base nas três dimensões, descreve ainda os modos de interpretar os movimentos do inimigo.

Embora Mestre Sun nunca deixe de levar em conta o peso dos números ou do poder material, aqui como em outras partes há uma forte sugestão de que fatores sociais e psicológicos têm condições de superar o tipo de poder que pode ser quantificado fisicamente: “Nas questões militares, não é necessariamente benéfico ter mais: benéfico é evitar agir agressivamente; é suficiente consolidar o teu poder, avaliar os adversários e conquistar o povo; isto é tudo.” O I Ching afirma: “Quando tens os meios, mas não estás chegando a lugar nenhum, procura parceiros apropriados, e terás boa fortuna.” Do mesmo modo, enfatizando o esforço do grupo dirigido, A Arte da Guerra diz: “O individualista sem estratégia que considera os adversários com leviandade irá inevitavelmente tornar-se um cativo.” A solidariedade requer especialmente compreensão mútua e relação estreita entre os líderes e os liderados, adquirida tanto através da educação como do treinamento. O sábio confuciano Meneio disse: “Os que enviam pessoas a operações militares sem educá-las as destroem.” Mestre Sun diz: “Dirige-os pelas artes da cultura, unifica-os pelas artes marciais; isto é vitória certa.” O IChing diz: “É boa fortuna quando os dirigentes dão suporte a seus dirigidos, ficando atentos a eles e deles extraindo suas potencialidades.”

10. Terreno

O capítulo décimo, que analisa a questão do terreno, dá continuidade às ideias de manobras técnicas e à adaptabilidade, delineando tipos de terreno e maneiras adequadas de se acomodar a eles. Requer-se reflexão para transferir os padrões desses tipos de terreno a outros contextos, mas o ponto fundamental está em considerar a relação do protagonista com as configurações do ambiente material, social e psicológico.

Mestre Sun adota esse ponto de vista com observações sobre as deficiências organizacionais fatais pelas quais o líder é responsável. Aqui, novamente, a ênfase está posta no moral da unidade: “Considera teus soldados como filhos bem-amados, e eles de boa vontade morrerão contigo.” O I Ching diz: “Os que estão acima asseguram seus lares pela bondade para com os que estão abaixo.” Apesar disso, ampliando a metáfora, Mestre Sun também adverte contra ser abertamente indulgente, o que traria como consequência tropas semelhantes a crianças mimadas. Este capítulo ressalta também a inteligência, no sentido de conhecimento preparatório. Sua definição inclui de modo particular a percepção clara das capacidades das próprias forças, da vulnerabilidade do adversário e da disposição do terreno: “Quando conheces a ti mesmo e aos outros, a vitória não está ameaçada; quando conheces o céu e a terra, a vitória é inesgotável.” O I Ching diz: “Sê cuidadoso no começo, e não terás dificuldades no fim.”

11. As nove variáveis de terreno

O décimo primeiro capítulo, intitulado “Nove Regiões”, apresenta um tratamento mais detalhado do relevo, especialmente em termos do relacionamento de um grupo com o terreno. Pode-se compreender que essas “nove regiões” se aplicam não só ao mero território físico, mas também ao “território” em seus sentidos social e mais abstraio.

As nove regiões relacionadas por Mestre Sun são assim denominadas: região de dissolução, região leve, região de contenda, região de tráfego, região de intersecção, região pesada, região ruim, região sitiada e região de morte (ou mortal).

Uma região de dissolução é um estágio de guerra destrutiva para ambos os lados ou guerra civil. A região leve se refere a incursões marginais ao território inimigo. Uma região de contenda é a que pode ser vantajosa para ambos os lados de um conflito. Uma região de tráfego é aquela em que se verifica passagem livre. Região de intersecção é um território que controla artérias de comunicação importantes. Região pesada, em comparação com a leve, refere-se a incursões profundas no território adversário. Região ruim é terreno difícil ou imprestável. Região sitiada é a que tem acesso restrito, própria para emboscada. Região de morte é uma situação em que é necessário lutar imediatamente ou ser destruído.

Ao descrever a tática apropriada a cada tipo de região, Mestre Sun inclui uma reflexão sobre os elementos social e psicológico do conflito, na medida em que esses estão inextricavelmente ligados à reação ao ambiente: “Devem-se examinar os seguintes aspectos: adaptação às diferentes regiões, vantagens da contração e da expansão, padrões de sentimentos humanos e condições.”

12. Ataques com o emprego de fogo

O décimo segundo capítulo de A Arte da Guerra, sobre o ataque com fogo, inicia com uma breve descrição dos vários tipos de ataque incendiário e inclui observações técnicas e estratégias para o acompanhamento.

Talvez porque, num sentido material comum, o fogo seja a forma mais perversa de arte marcial (os explosivos existiam no tempo de Sun Tzu, mas não eram usados militarmente), é neste capítulo que encontramos o mais ardente apelo pela humanidade, fazendo eco à ideia taoísta de que as “armas são instrumentos de desgraça que devem ser usadas somente quando for inevitável”. Concluindo abruptamente sua breve reflexão sobre o ataque com fogo, Mestre Sun diz: “Um governo não deve mobilizar um exército motivado pela raiva, os líderes militares não devem provocar a guerra movidos pela cólera. Antes, deves agir se for benéfico; caso contrário, deves desistir. A raiva pode se transformar em alegria, a cólera pode se tornar prazer, mas uma nação destruída não pode ser restaurada para a existência, e os mortos não podem ser devolvidos à vida.”

13. Utilização de agentes secretos

O décimo terceiro e último capítulo trata da espionagem, fechando assim o círculo com o capítulo inicial sobre a estratégia, para a qual a inteligência é essencial. Novamente guiando-se pelo minimalismo orientado para a eficiência e pelo conservadorismo, para os quais se voltam as habilidades que ensina, Mestre Sun começa falando da importância dos agentes de inteligência nos termos mais enfáticos: “Uma operação militar de importância é um escoadouro grave da nação, e pode ser mantida por anos de luta pela vitória de um dia. Por isso, desconhecer as condições do inimigo por não querer recompensar a inteligência é algo extremamente desumano.”

A seguir, Sun define cinco tipos de espiões, ou agentes secretos. O espião local é contratado dentre a população de uma região em que as operações são planejadas. Um espião infiltrado é contratado entre os oficiais de um regime contrário. Um espião reverso é um agente duplo, contratado dentre espiões inimigos. Um espião morto é o que recebe a missão de levar informações falsas. Um espião vivo é o que vem e vai com informações.

Neste ponto, também existe um forte elemento social e psicológico na compreensão que Sun Tzu tem da complexidade prática da espionagem do ponto de vista da liderança. A Arte da Guerra inicia com a questão da liderança, e também termina com a observação de que o uso eficaz de espiões depende do líder. Mestre Sun diz: “Não se pode utilizar espiões sem sagacidade e conhecimento, não se pode usar espiões sem humanidade e justiça, não se pode sem sutileza conseguir a verdade de espiões”, e conclui: “Só um governante hábil ou um general brilhante que pode utilizar os mais inteligentes para a espionagem tem garantia de sucesso.”

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