20110104

A peste middlebrow

Por Fábio Campana

“A verdadeira batalha – escreveu Virginia Wolf – não se trava entre os highbrows e os lowbrows, mas entre estes, unidos em fraterna consanguinidade, contra a exangue e perniciosa peste que fica de permeio”.

Mais que nunca, a peste é o middlebrow. Peste que agora emergiu como grupo social predominante e descobriu a internet como fácil meio de expressão.

Sem pudor, a peste se reproduz rapidamente em blogs e sites de besteirol que espelham a ridícula presunção de “críticos” de moda, de gastronomia, de arte, de literatura, de objetos, de vinho e de qualquer coisa que possa ter valor de mercado.

O middlebrow é produtor, mercador e consumidor do lixo cultural. Adora o kitsch e considera o sentimentalismo a virtude máxima. Acompanha novelas de televisão e ouve canções excrementais para encher a alma de pieguismo e vulgaridade. É vítima voluntária de slogans e caprichos dos que alcançam notoriedade. Dos pop stars aos políticos.

Ah, a santa ignorância. A mediocridade acredita que toda a sabedoria humana está contida em frases de efeito. Esse déficit cultural transforma o middlebrow em ressentido que costuma adotar atitude anti-intelectual do tipo “ninguém lê mais nada, basta informar através de foto e legenda”.

O middlebrow gostaria de ter o gosto e a cultura do highbrow, que segundo Brander Mathews é a pessoa que “ao olhar uma salsicha pensa logo em Picasso”. Essa fusão ou associação da cultura com todos os aspectos da vida cotidiana, do feitio de um garfo ao formato do vidro que contém as pílulas de antidepressivos, é que distingue o highbrow dos demais. Para isso é necessário conhecimento e neurônios ativos.



O amigo do highbrow é o lowbrow. O highbrow respeita a arte do lowbrow – o jazz ou a música de Cartola e Nelson Cavaquinho, por exemplo – que ele provavelmente definirá como a expressão espontânea da cultura popular. Não interessa ao lowbrow, ao contrário do middlebrow, se apossar das funções do highbrow ou ameaçar de qualquer forma a nitidez da linha divisória entre o sério e o frívolo.

A indigência cultural é o traço do grande mercado consumidor dominado pelo middlebrow. E não se deve confundi-lo com a tipologia de classes sociais. O middlebrow está em todas, mas sua típica ignorância e mau gosto se concentram nas camadas médias.

A esta faixa se dirigem os apelos produzidos pelos divulgadores middlebrow que querem vender aos consumidores middlebrow. É o asqueroso reino do picadinho relations. Nessa categoria se inclui hoje a maioria dos diluidores de ideias e criadores de modismos. Os promotores de eventos e de produtos.

Enfim, são pessoas que se dedicam profissionalmente à difusão de ideias e artefatos. Ao fazê-lo, não por mero acaso, convertem isso em seu ganha-pão. Seu público e mercado é a hegemônica comunidade middlebrow, da qual fazem parte e que hoje é maioria absoluta no mundo e mais ainda nestas áreas periféricas onde a civilização ainda não pegou.

Degradante. Haja estômago.

Fonte: Revista Ideias

Nenhum comentário:

Postar um comentário