20101205

Janela indiscreta contra sua empresa


Colaboraram Cláudio Gradilone, Bruno Galo e Hugo Cilo

Terrorista ou anarquista? Inimigo público número 1 dos Estados Unidos ou profeta da liberdade? Inovador digital ou apenas um hacker? Não importa o juízo que se faça a respeito do australiano Julian Assange, criador do site WikiLeaks e responsável pelo maior vazamento de dados da história: nada menos que 250 mil documentos secretos do governo americano.

O fato é que esse franzino espião, hoje um fugitivo procurado pela Interpol, é apenas a face visível de uma revolução que já não pode mais ser contida: a da exposição pública de informações restritas, que poderá atingir toda e qualquer empresa, em qualquer canto do mundo, levantando uma nova discussão.


Espião global: Julian Assange conta com uma rede internacional de informantes.
 Qualquer pessoa, de qualquer lugar do mundo, pode submeter uma denúncia corporativa ao WikiLeaks

Como definir o que faz o WikiLeaks? Transparência ou invasão? Assange não responde. Mas ele, que obteve dados daquela que era tida como a mais inexpugnável das fortalezas, o Departamento de Estado norte-americano, não esconde seu próximo alvo.

É o mundo empresarial. Assange pretende começar pelo Bank of America (Bofa), o maior banco dos Estados Unidos. Nas raras entrevistas que concedeu por intermédio do Skype, o australiano prometeu desnudar um dos maiores “ecossistemas da corrupção corporativa no mundo” - o que foi suficiente para derrubar as ações do banco americano.

Scott Silvestri, porta-voz do Bofa para assuntos globais, afirma não temer qualquer escândalo. “Há mais de um ano, o WikiLeaks alega ter obtido dados do disco rígido do PC de um executivo do banco.

Afora as alegações, não temos evidências que deem suporte a isso. E não temos ciência de que as novas declarações do WikiLeaks digam respeito ao Bank of America”, disse ele à DINHEIRO.

Julian Assange conta, na prática, com uma rede internacional de informantes. E um deles pode ser seu funcionário. Pior: pode ser seu contador, seu banqueiro, seu advogado ou sua secretária. “O inimigo hoje está dentro de casa”, afirma Vander Giordano, diretor-responsável pelo escritório da Kroll no Brasil.

O modelo de atuação do WikiLeaks é muito semelhante ao da enciclopédia virtual Wikipedia. A palavra “wiki” significa, no jargão da internet, “colaborativo”, o que permite a qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo, submeter informações ao site.

O próximo alvo: o WikiLeaks alega ter obtido cópia do disco rígido de um executivo
do Bank of America e promete revelar o "ecossistema da corrupção corporativa"

“Leaks”, por sua vez, pode ser traduzido como “vazamentos”. Dessa forma, a empresa criada por Assange funciona como um grande disque-denúncia internacional, que pode ser usado tanto para disponibilizar informações dos governos como do setor privado.

A diferença é que conta com um sofisticado sistema que garante o sigilo da fonte. E o maior paradoxo do site – fundado no princípio do anonimato – é ter transformado seu criador numa celebridade internacional, capaz de gerar atritos diplomáticos em várias partes do mundo.

As informações do Departamento de Estado foram divulgadas em grande estilo pelo WikiLeaks, em parceria com veículos da mídia tradicional, como o inglês The Guardian, o norte-americano The New York Times, o espanhol El Pais e a revista alemã Der Spiegel.

Agora, Julian Assange pretende começar a filtrar as informações que possui referentes ao setor privado – e que, segundo ele, são muito mais abundantes. Há, no WikiLeaks, até casos que atingem empresas brasileiras. Um dossiê submetido ao site diz respeito ao grupo Schahin, que atua nos setores financeiro, de petróleo e de construção pesada, com receitas anuais próximas a R$ 500 milhões.



Entre os documentos enviados ao site constam contratos das empresas Sea Biscuit, Soratu Drilling e Black Gold Drilling, constituídas nas Ilhas Cayman, um paraíso fiscal do Caribe. Essas companhias receberiam em Cayman os valores referentes aos serviços prestados no Brasil na área de petróleo, executados pela Schahin. Procurada pela DINHEIRO, a empresa não se manifestou sobre o caso.

Este episódio revela uma faceta perigosa do WikiLeaks: a de que o site se desvie do objetivo inicial – o de apenas garantir o livre fluxo de informações – e seja usado como instrumento de chantagem em guerras empresariais.
Há mais de um ano, o consultor Lúcio Funaro, acusado de envolvimento no escândalo do Mensalão, mantém uma guerra com o grupo Schahin. Ambos foram sócios numa pequena central hidrelétrica na Amazônia, que se rompeu, causando prejuízos de mais de R$ 200 milhões a vários fundos de pensão.

Documentos referentes ao caso chegaram a ser postados no site YouTube, antes de serem enviados ao site de Julian Assange. “O fenômeno WikiLeaks deve ser analisado de três formas: pode ser um serviço gerido de boa-fé para garantir o livre fluxo das informações, pode ser usado em casos de chantagem; inda que as informações sejam corretas; e pode ser administrado por organizações criminosas interessadas em usar o poder da informação para obter vantagens”, disse à DINHEIRO o italiano Fabio Ghioni, um dos hackers mais conhecidos da Europa.

Autor do livro Hacker Republic, Ghioni conhece bem o Brasil. Em 2004, ele integrava a equipe de segurança da Telecom Italia, que, numa ação de contraespionagem, conseguiu invadir os computadores da poderosa Kroll, dando início a duas das maiores operações da Polícia Federal: Chacal e Satiagraha.

“Se o WikiLeaks existisse em 2004, os documentos da Kroll poderiam ter sido descarregados lá mesmo”, diz ele. À época, os documentos foram entregues pelos italianos diretamente à Polícia Federal.

Três anos depois, mais de 20 integrantes da equipe de Ghioni, conhecida como “tiger team”, foram presos na Itália, acusados de espionagem. Ghioni ainda responde a alguns processos judiciais, mas também se transformou num ciberativista – ele também criou o site Hacker Republic, que, no futuro, pode vir a ser um concorrente ao WikiLeaks.

Até hoje, o vazamento corporativo mais importante ocorrido no WikiLeaks envolveu um dos maiores bancos suíços: o Julius Baer. Contas secretas de milhares de correntistas foram divulgadas no site em 2007 pelo ex-chefe da agência do banco nas Ilhas Cayman Rudolf Elmer.

Havia até contas atribuídas a políticos brasileiros – como a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, e o senador não reeleito Tasso Jereissati – cuja autenticidade não foi comprovada. Ouvido pela DINHEIRO, Elmer diz ter incluído os dados por “motivações éticas”.

Autor de uma novela sobre o caso, chamada Bankenterror, o suíço hoje se diz desapontado com os rumos do WikiLeaks. “Ele se desviou do objetivo inicial, em função da personalidade de Julian Assange”, diz.

Segundo Elmer, Assange tenta se converter numa espécie de senhor do universo, interferindo no processo político e em guerras empresariais. “O papel do site deveria ser o de divulgar informações de interesse público, e não o de projetar seu criador”, diz ele.

De cabelos claros, quase brancos, e pele pálida como um aço polido, o rosto de Assange é atualmente um dos mais conhecidos do mundo, desde que a Interpol o colocou na lista de procurados internacionais.

Viver foragido não é exatamente uma novidade para esse australiano de 39 anos, filho de pais que tinham uma companhia de teatro. Desde que criou o WikiLeaks, ele não tem o que pode ser chamado de um lar.

Assange viaja de país a país, fica em casas de pessoas que apoiam sua causa e com amigos dos amigos. “Tenho vivido nos aeroportos estes dias”, disse ele, em entrevista para a revista americana New Yorker, realizada na Islândia, em meados de 2010.
Sua organização não tem endereço fixo e os funcionários, milhares de voluntários, não são pagos. Pelo menos cinco deles se dedicam ao site em tempo integral. Mas os membros principais do WikiLeaks são conhecidos apenas pelas iniciais de seus nomes e se comunicam por meio de serviços online criptografados para garantir o sigilo das conversas. Dessa forma, evitam o não vazamento de informações confidenciais – exatamente o contrário do que fazem com governos e empresas.

Desde cedo, Assange mostrou habilidade com o mundo dos computadores. Ganhou sua primeira máquina com 13 anos. Aos 16 anos, já invadia redes de empresas ao redor do mundo. A primeira delas foi a canadense de equipamentos de redes Nortel.
 


Em seu país natal, foi considerado culpado em 31 invasões. Mas pagou uma pequena multa em dinheiro para se ver livre das acusações. Estudante de matemática e física na Universidade de Melbourne, Assange tem grande habilidade de falar sobre diversos temas.

Dorme pouco e às vezes esquece de se alimentar, o que explica seu rosto pálido e o corpo esguio, quase esquelético. Passa horas a fio na frente do computador, em busca dos mais secretos documentos. Agora, ele ameaça as empresas. Será possível se proteger das habilidades e dos informantes de Assange?

Especialistas em segurança consultados por DINHEIRO dizem que sim. E acredite: o maior problema não é o uso intensivo de tecnologia. A parte mais frágil de qualquer política para impedir vazamentos e garantir o sigilo dos dados são os funcionários das próprias corporações.

“As empresas precisam aprender a classificar suas informações”, diz Denny Roger, diretor da empresa EPSEC e membro de um comitê internacional de combate a fraudes. “Só assim poderão protegê-las.”
Infelizmente, isso não parece ser a prática usual das companhias brasileiras. Avalie o que diz Hugo Romeu Marcial, presidente da Associação Brasileira dos Analistas de Inteligência Competitiva (Abraic) e um dos maiores especialistas em espionagem industrial do País. “O Brasil é o melhor lugar do mundo para conseguir informação”, afirma. “As empresas são frágeis na proteção de seus dados estratégicos.”

A era da exposição total, da qual o fundador do WikiLeaks surge como um dos líderes, parece fazer com que as corporações pensem na proteção de seus dados. “Abra seu próprio quimono. Você vai ficar nu. Então, olhe para a sua operação e tenha certeza de que a integridade é parte de seus ossos”, afirma Don Tapscott, coautor do livro The Naked Corporation (A Corporação Nua). Afinal, você pode amar ou odiar Assange, mas ele é o profeta de um novo tempo. E o seu alvo agora são as empresas. A sua companhia está preparada?

Fonte: Revista Isto É Dinheiro

Depois de divulgar 250 mil documentos secretos do governo americano, Julian Assange, fundador do site Wikileaks, tem um novo alvo: o mundo corporativo

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