20100330

"O Brasil está dividido" - Alberto Carlos Almeida

Alberto Carlos Almeida

"O Brasil está dividido"

O autor do livro "A Cabeça do Brasileiro" diz que a polarização entre o PT e o PSDB na eleição presidencial é sinal de uma democracia madura

Alan Rodrigues e Yan Boechat



Batalha
“Será uma disputa dura para qualquer um dos lados. Não há favoritos”

Apesar de toda sorte de ma­zelas que atingem o universo político brasileiro com escândalos de corrupção, compra de votos, mensalinhos e mensalões, as eleições de 2010 consolidarão no País uma característica típica de países desenvolvidos: a segmentação eleitoral. Apenas países com democracias longevas e estruturadas têm disputas tão passionais entre dois partidos políticos antagônicos.


"A novidade é que o cidadão não vota mais em candidatos que
dão ênfase somente a grandes obras de infraestrutura"

É assim nos Estados Unidos, com o Democrata e o Republicano; na Inglaterra, com o Trabalhista e o Conservador; e, agora, no Brasil, com o PT e o PSDB. “Esse é um fenômeno novo, em que duas forças dominam a maior parte do eleitorado e dependem dos eleitores de centro para vencer as eleições”, diz o sociólogo e cientista político Alberto Carlos Almeida, do Instituto Análise, principal advogado dessa tese. Autor dos livros “A Cabeça do Brasileiro”, “A Cabeça do Eleitor” e do novo “Erros nas Pesquisas Eleitorais e de Opinião”, Almeida acredita mais uma vez que o eleitor será pragmático. “Ele escolhe aquele que lhe der mais capacidade de consumo.”


"Já está dado o alinhamento: a classe mais alta prefere o PSDB
e os mais pobres o PT. Não existe lulismo, Lula será passado em alguns dias"
 
 
Istoé - Qual é o presidente que o brasileiro quer?

Alberto Carlos Almeida - Ele quer um presidente que melhore a vida diária dele especificamente no consumo, na sua capacidade de comprar mais. O eleitor brasileiro é extremamente pragmático e egoísta. A maioria expressiva não pensa no bem comum. Só olha para o próprio umbigo, o bolso e o bem-estar.

Istoé - Então, voto não tem ideologia, o eleitor pouco se preocupa com o coletivo?

Alberto Carlos Almeida - Na eleição, o eleitor vê a oportunidade de manter alguma coisa na vida dele ou de mudar alguma situação que não o está ajudando em nada. A novidade eleitoral é que o cidadão não vota mais em candidatos que dão ênfase somente a grandes obras de infraestrutura. O eleitor agora se preocupa principalmente com temas sociais, como a saúde.

Istoé - Há uma mudança no perfil do eleitor?

Alberto Carlos Almeida - Sim. O eleitor não acreditava que seu voto poderia mudar a sua forma de viver. Agora não. O eleitorado pobre, por exemplo, descobriu que com o passar do tempo ele ficou menos pobre, foi se escolarizando, e agora sabe que seu voto pode mudar sua vida. Políticos que não tinham marcas do social, como o (Paulo) Maluf, ficaram ultrapassados.

Istoé - Esse tipo de comportamento serve para todo mundo?

Alberto Carlos Almeida - Em certa medida, sim. Mas quanto mais o eleitor está colado na necessidade, mais ele é pragmático.

Istoé - O Brasil está dividido eleitoralmente?

Alberto Carlos Almeida - Estamos diante de um novo fenômeno que surgiu a partir de 2006, que é a segmentação eleitoral. Hoje, temos uma segmentação típica de países desenvolvidos, como a Inglaterra. O eleitorado tem segmentos diferentes. Os mais pobres tendem a votar no PT, enquanto a classe média, que ganha acima de R$ 1,2 mil, tende a votar no PSDB. Isso aconteceu nas últimas eleições presidenciais e vai se repetir em 2010. É uma mudança que veio para ficar. O Nordeste terá tendência de votar pesadamente, em todas as eleições, em um candidato do PT, enquanto o Sul tenderá a votar no PSDB.

Istoé - Por que um país desenvolvido tem essa característica? Quais são os alicerces sociais para se chegar a isso?

Alberto Carlos Almeida - A primeira coisa é ter certa longevidade do sistema democrático. Apesar de jovem, o Brasil já conseguiu essa condição. A outra característica é surgir dentro desse sistema um partido de esquerda que busque apoio social. Isso é o que o PT fez e vem fazendo.

Istoé - É um novo cenário calcado em quê? Ideologia?

Alberto Carlos Almeida - Numa ideologia no sentido fraco do termo, em formas de pensar diferentes. Uns acham que o governo tem que ajudar mais as pessoas a mudar de vida ativamente. Outros têm a visão de que as próprias pessoas é que terão que fazer mais. São duas ideologias distintas. A pessoa que é mais pobre, naturalmente, tende a pensar que precisa de alguma ajuda.

Istoé - É aí que o PT ganha força eleitoral?

Alberto Carlos Almeida - É. O PT trocou a ligação com as celebridades pela entrada de milhões de desconhecidos do interior do Nordeste. O partido mudou a fonte de sua força. Quem lembra que Paulo Betti fez campanha para o PT? Ninguém. O que importa é o Bolsa Família e o eleitor do Nordeste. Se for feita uma pesquisa no País só sobre o PT, fica claro que ele tem uma imagem fortalecida junto a esse eleitor mais pobre. É o PT, não é Lula nem ninguém. O PT é conhecido e é valorizado por esse segmento da sociedade. A forma como o partido criou sua imagem é responsável por uma segmentação da sociedade. Isso é uma das características políticas de um país desenvolvido. Ou seja, o eleitor certo de cada lado. É um equívoco pensar que o PT está enfraquecido.

Istoé - Isso pode garantir ao PT uma continuidade no poder?

Alberto Carlos Almeida - Hoje, na eleição presidencial o PT tem como certo 30% do eleitorado, o PSDB conta com 25% dos votos e o resto é eleitor de centro que flutuará de acordo com a conjuntura. Isso veio para ficar. A eleição será decidida pelo eleitor de centro. Este ano, será uma disputa dura para qualquer um dos lados. Não há favoritos. O PT tem um marca forte, mas também existe a força do anti-PT, que naturalmente é o eleitor do PSDB. O Brasil caminhou rapidamente para ser um país bipartidário quando se trata de eleição presidencial.

Istoé - As últimas pesquisas mostram um crescimento da ministra Dilma no sudeste. Isso é uma surpresa?

Alberto Carlos Almeida - O Sul e o Sudeste têm preferência pelos tucanos. Mas o fato é que a Dilma entrou numa área que é do Serra. Disputa eleitoral é isso: um tem que entrar na área do outro.

Istoé - Qual discurso a oposição terá que adotar para ganhar espaço?

Alberto Carlos Almeida - Ela terá que desconstruir a ministra Dilma e deixar claro que seu candidato é mais preparado para continuar o que está aí. Por exemplo, o PSDB terá que mostrar ao eleitorado que Serra tem mais ponto de contato com o Lula que a Dilma.

Istoé - Em que sentido?

Alberto Carlos Almeida - O Lula veio da pobreza rural nordestina, o Serra veio da pobreza urbana e a Dilma é filha da classe média. Quais são os desdobramentos dessa afirmação? O Serra, assim como o Lula, teve dificuldades na infância. O Lula tem experiência administrativa, o Serra também. Os dois lutaram contra a ditadura, mas, ao contrário de Dilma, que foi guerrilheira, eles não pegaram em armas para fazer isso, o que mostra que ela é muito diferente do Lula. O PSDB terá que demonstrar que Lula e Serra são mais iguais e que a Dilma não terá condições de conseguir o mesmo desempenho que o presidente teve. O PSDB tem que mostrar que Dilma não é Lula.

Istoé - O chamado lulismo poderá definir as eleições?

Alberto Carlos Almeida - Não existe lulismo. O Lula só é bem avaliado pelo desempenho do governo dele.

Istoé - Para o sr., o Lula não é um fenômeno?

Alberto Carlos Almeida - Não. Ele tem é sorte. O Lula ganhou força porque seu governo é bem aprovado. Lula não é um mito. Ninguém tem sucesso sem ter sorte. Competência, ele teve! Qual foi? Domesticar o PT, levar o partido para o centro e manter a política econômica.

Istoé - O presidente Fernando Henrique não teve sorte?

Alberto Carlos Almeida - Comparando com o Lula, ele foi sem sorte. A sorte sorriu mais para o Lula que para FHC.

Istoé - Qual será o impacto eleitoral da comparação entre os governos do PSDB e do PT?

Alberto Carlos Almeida - O eleitor não está nem aí para isso. Já está dado o alinhamento: o eleitor que é classe mais alta prefere o PSDB e os mais pobres o PT. Isso é passado. Como o Lula será passado daqui a uns dias.

Istoé - Qual será o grande tema eleitoral deste ano?

Alberto Carlos Almeida - Até agora não existe um grande tema. Em 94, o tema dominante foi o controle da inflação. Quatro anos depois foi a crise econômica. Em 2002, o eleitor deu ênfase ao desemprego e em 2006 ao Bolsa Família. Agora, a inflação está contida, o desemprego não é mais um problemão e o Bolsa Família está consolidado.

Istoé - Então, ganha as próximas eleições a candidata ou candidato que melhor representar a continuidade?

Alberto Carlos Almeida - Um tema que pega o governo de calça arriada é o imposto. Em 2010, o tema que poderá embaralhar todas as cartas que estão na mesa será a redução dos impostos. Na verdade, os políticos não estão ligados neste tema. Quem está preocupado com isso, segundo as pesquisas, é o eleitorado, o pobre inclusive. Ele acha que os impostos são um problema para a vida dele. O eleitor acredita que o governo pode ser exatamente o que é, mas cobrando menos impostos.

Istoé - O controle fiscal eficiente é o principal discurso do PSDB. É possível passar essa mensagem para o eleitor ou esse é um tema muito complexo?

Alberto Carlos Almeida - Possível é. Porém, a maneira mais eficiente de falar isso é mostrar para o eleitor que o imposto alto atinge o bolso dele. Esse é um problema que afeta todo o eleitorado, do PT ao do PSDB, passando pelo eleitor de centro.

Istoé - O eleitor quer um Estado forte?

Alberto Carlos Almeida - Essa é uma discussão entre os políticos, mais intelectualizada. O eleitorado não é conectado neste debate. O que o eleitor quer é mais dinheiro no bolso dele. Ponto. O foco do eleitor é o bem-estar dele, a condição financeira da família.

Istoé - Diante disso, a Dilma leva vantagem nessa eleição, já que 30 milhões de pessoas subiram para a classe C neste governo?

Alberto Carlos Almeida - A Dilma já conseguiu o recall necessário para participar da largada da corrida eleitoral. Ela já está na mesma linha de largada que o Serra.

Istoé - O eleitor ainda pode mudar de voto?

Alberto Carlos Almeida - Sim. Os resultados das pesquisas decorrem de um estímulo que é feito, dizendo que haverá eleição este ano. A maioria das pessoas nem sabe que teremos eleições este ano.

Istoé - Como o eleitor trata o tema corrupção?

Alberto Carlos Almeida - A corrupção está colocada como uma questão moral. O eleitor não se preocupa muito com isso. Agora, se houvesse um discurso do tipo: irei combater a corrupção porque meu compromisso é reduzir os seus impostos. Ou, se a corrupção e o desperdício forem reduzidos, eu irei reduzir seus impostos. Aí sim, chamaria a atenção do eleitor.

Istoé - Dá para acreditar em pesquisas eleitorais?

Alberto Carlos Almeida - Na média dá. Mas em geral o eleitor não sabe o resultado das pesquisas. Se o candidato está muito na frente, o eleitor conhece muita gente que vota nele. Pesquisas feitas corretamente podem ter resultados diferentes.

Istoé | Online

Nenhum comentário:

Postar um comentário